sexta-feira, 14 de março de 2008

Heróis Anônimos



"O Signo da Cidade" marca a estréia de Bruna Lombardi como roteirista no cinema brasileiro em filme que traz Carlos Alberto Riccelli na direção


A cidade de São Paulo é protagonista de "O Signo da Cidade", primeiro filme dirigido por Carlos Alberto Riccelli, em que Bruna Lombardi atua como atriz e assina o roteiro – o segundo de sua nova carreira, iniciada em Los Angeles. O filme estreou na capital federal no último fim de semana depois de ter sido exibido por aqui no fim do ano passado, durante o IX FIC Brasília, em que saiu com o prêmio de melhor filme pelo júri popular.


"O Signo da Cidade" fala de pessoas - os "milhões de heróis anônimos escondidos numa cidade", como a própria Bruna define ao explicar seu roteiro repleto de vida e morte, risos e lágrimas, luz e sombras, poesia e frieza. A trama gira em torno de uma astróloga que, em seu programa de rádio, escuta e dá conselhos madrugada adentro para pessoas em crise, como a dona de casa que deseja se matar, a dondoca que não tem diálogo em casa, o enfermeiro que luta contra o racismo e dois homossexuais que mergulham na noite em busca de diversão e amor. Limitada, Teca – a personagem – baseia-se na solidariedade e, muitas vezes, sente-se frustrada por não conseguir evitar algumas tragédias. Enquanto isso, sua vida se desenrola com alguns dramas, como o abandono de um marido, o interesse por um vizinho bonitão que está em crise com sua esposa viciada em drogas e o pai que a abandonou na infância e hoje está em estado terminal em um hospital.


O roteiro de Bruna e a direção de Riccelli resultaram em um filme que pode entrar no rol das obras de arte, com um elenco tão estelar quanto o sistema que rege o trabalho da astróloga – com destaque para Juca de Oliveira em interpretação majestosa, Eva Wilma em um inusitado papel e os comediantes Denise Fraga e Luís Miranda em sensíveis atuações dramáticas – e tão anônimo quanto os personagens desenhados na trama – é o caso dos estreantes Laís Marques, Thiago Pinheiro e Kim Riccelli (filho de Bruna e Carlos Alberto). Com forte inspiração em "Crash – No limite", produção americana que ganhou o Oscar de melhor filme em 2006, a história vem com aura poética que faz o espectador se sentir inserido no filme, tendo empatia com os personagens que habitam sob o signo daquela cidade e têm seus destinos cruzados de forma surpreendente. Nesse cenário, nos deparamos com cenas bastante reativas, como a empatia pela dor de um jovem que sai caminhando sem rumo pela cidade após a perda de sua mãe e a revolta pela desagradável, mas hipnotizadora cena da crueldade de dois playboys contra um travesti. Em contraste ao carregado signo da dor que rege boa parte da trama, o roteiro de Bruna nos presenteia com momentos hilários, protagonizados pela positiva personagem de Graziela Moretto, e ainda oscila entre o drama mais singelo e a comédia mais debochada, como o desejo erótico do personagem de Juca de Oliveira, que pede para ver uma mulher nua antes de morrer.

"O Signo da Cidade" choca e agride, chegando a arrancar lágrimas com soluços em alguns momentos. Mas quem é sensível à arte consegue encontrar nos mínimos detalhes a leveza de um roteiro sublime. A Bruna Lombardi, que já havia mostrado sua verve literária em seis romances, o cinema agradece sua contribuição.

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