segunda-feira, 25 de junho de 2007

Quem matou Gilberto Braga?


Lembro que ainda faltava mais de um ano para o início da novela. Diziam que a nova trama do Gilberto Braga viria para arrebentar. Celebridade ficaria no chinelo! O título original do novo sucesso era Copacabana, o tema seria turismo sexual e o elenco teria Cláudia Abreu (como gêmeas antagônicas), Fábio Assunção (como galã), Malu Mader (como vilã) e Glória Pires (como uma cafetina). Pouco tempo depois, veio o primeiro golpe: Malu Mader não faria mais a novela. Em seguida, mais uma decepção: o título seria mudado para Paraíso Tropical. Como se não bastasse, a última e maior facada: Cacau não faria mais a novela, sendo prontamente substituída por Alessandra Negrini, a eterna Engraçadinha. Mesmo assim, a expectativa manteve-se boa. Afinal, texto de Gilberto Braga, direção de Dênnis Carvalho, com Glória Pires, Fábio Assunção e Tony Ramos no elenco...


Paraíso Tropical realmente começou chata e cansativa. Confesso que senti falta de Malu Mader, Cláudia Abreu, Nathália Thimberg, enfim, a habitual patota do Giba. A abertura também não foi das melhores. A música da Maria Bethânia é linda, mas combinava mais com o título original. Paraíso Tropical mereceia na abertura um tema mais sensual, mais brasileiro, tipo "País Tropical", com Jorge Ben Jor, sei lá. Como se não bastasse, nos créditos da abertura, nomes de peso do elenco - como Reginaldo Faria, Debora Duarte, Renné de Vielmond, Hugo Carvana, Yoná Magalhães e Othon Bastos - vieram misturados no miolo, sem o menor prestígio, enquanto Wagner Moura e Camila Pitanga com status de protagonistas, além de Bruno Gagliasso e Paulo Vilhena com destaque.


Mas depois fui vendo que não era a ausência da tradicional patota do Giba nem a abertura que estragavam a novela. A história estava mole, enrolada. A química do Fábio Assunção com a Alessandra Negrini, deixou a desejar. Dois mocinhos chatos, vamos combinar. E um amor instantâneo, surreal, tendo como cenário a Bahia regida por uma Suzana Vieira que mais parecia um misto de Maria do Carmo com Rubra Rosa, personagens que a mesma atriz interpretou, no passado, em tramas de Aguinaldo Silva. O conflito da filha da dona do bordel apaixonada pelo homem cheio de moral que queria banir as prostitutas do hotel, a falsa acusação de pedofilia e a expulsão de uma cafetina de um bairro classe média burguesa de Copacabana até que tinham um certo charme. Afinal, o tema original era o turismo sexual. Mas ainda faltava Gilberto Braga nessa novela.

Será que o problema estava justamente nas comparações com Celebridade? Talvez. Afinal, a primeira melhora aconteceu quando a gêmea má surgiu. E foi logo mostrando a que veio! Sensual, amoral, trambiqueira, ladina, debochada. Nesse momento, senti que Cláudia Abreu fez bem em não interpretar as gêmeas. Paula, a boa, ela até que poderia fazer melhor que a Alessandra Negrini, mas a má, por melhor atriz que seja, ficaria muito parecida com a sua antiga e inesquecível Laura Prudente da Costa. E, como Taís, a Negrini está dando um show. Trejeitos afetados e sotaque caricato, sim, mas convincente.

Em seguida, veio Glória Pires. Nossa, Glorinha e Gilberto Braga juntos novamente, depois de 15 anos! A chegada da personagem Lúcia deu um novo gás à trama, mas ainda está prometendo. Criou-se uma enorme expectativa, ela seria vilã, uma cafetina, depois uma mãe solteira que se envolve com o poderoso Antenor Cavalcanti e tal... Promessas, promessas. O que vimos até então foi um remake do triângulo amoroso entre Glorinha, Tony Ramos e Marcelo Antony. Convenhamos, repetir o trio de Belíssima, tão recente, foi falta de originalidade. Cada um está perfeito em seu appel, mas os três juntos não deu. Nesse ponto, Gilberto repetiu o mesmo erro de Celebridade, quando colocou Marcos Palmeira como galã, contracenando com Malu Mader e disputando-a com Henri Castelli.

Mas o melhor mesmo aconteceu quando Taís e Paula, as gêmeas, se encontraram. A trama ganhou agilidade, se desenvolveu, criou expectativa e emoção. Mas ainda não disse a que veio. A gêmea má usou o recurso do photoshop para separar a irmã boa do galã rico. E a gêmea boa caiu! Mas, graças ao bom senso, logo ficou provado que tudo era uma farsa. O apaixonado casal se reconciliou ao som de "Without You", música linda, mas batidíssima, aliás. O que mais a gêmea má vai aprontar para separar Paula e Daniel? Vale lembrar que ela conta com a ajuda braçal de seu amante, o aprendiz de gigolô Ivan, com Bruno Gagliasso fazendo o papel que foi de Márcio Garcia na novela anterior.


Por falar em vilões, aquela que no início foi apresentada como tal caiu no gosto do público e deixou de ser má. A personagem de Camila Pitanga, Bebel - uma puta vadia, ordinária, mal caráter, dissimulada -, virou uma anti heroína de catiguria e ajudou a deixar o Olavo menos insosso como vilão... O Olavo, aliás, por melhor ator que seja o Wagner Moura, é um misto de Renato Mendes de Celebridade com Murilinho de Pátria Minha. Vilãs mesmo, estilo Gilberto Braga, só temos duas: Taís e Marion Novaes. Essas duas ainda vão aprontar muito. Vera Holtz está se saindo bem no papel - a colunável, aspirante a rica, carreirista de categoria, mãe sem o menor amor pelos filhos. Mas a impossibilidade de Joana Fomm interpretar o papel escrito especialmente para ela pode ser apontado como mais uma causa do insucesso da novela?

Um ponto positivo ocorreu com a reviravolta na vida de Ana Luiza. A personagem da Renne de Vielmond (há anos afastada da TV) era chata, mole, sonsa, enjoativa. Dava enjôo ouvir ela dizer que o Antenor é um marido amoroso, leal, compreensivo e bla-blá-blá! O romance com o Lucas (Rodrigo Veronese) ajudou bastante a tirar essa imagem. Mas quando cai nas graças do público e se torna responsável pela reviravolta da trama, o casal com mais química sai da trama! Será que Ana Luiza e Lucas voltam como andam dizendo? Qual seria a função deles na trama, afinal?


Outa expectativa frustrada foi com relação ao mais novo casal gay da teledramaturgia. Rodrigo e Tiago, lindos, bem vestidos (às vezes com pouca roupa), financeiramente estáveis, apaixonados, bondosos, amigos dos amigos... enfim, perfeitos até demais. Pôxa vida, Gilberto, que eles não tenham trejeitos para quebrar o estereótipo e não haja beijo gay porque o brasileiro ainda não está preparado, ainda vá lá... Mas não precisava criar dois personagens tão insossos, né? Ainda bem que temos Gustavo e Dinorá, divertidíssimos. Isabela Garcia sempre se destacando e Marco Ricca acompanhando bem. Hugo Carvana e Yoná Magalhães estão ótimos como Belisário e Virgínia - esses sim, personagens típicos de Giba: o casal aristocrata decadente que não perde a pose.
A expectativa é grande para o romance de Antenor e Lucia. Será ela capaz de amolecer o coração do frio empresário? Lúcia criou sozinha o filho, nunca contou com a ajuda do pai e não liga para dinheiro. Parece que Antenor a elegeu para ser a mãe do seu filho, futuro herdeiro de sua fortuna. Vai ter muito gente querendo atrapalhar esse romance. Taís, Marion, Olavo, Bebel... Dizem que Gilberto Braga não fica sem o seu famoso "Quem matou?". A pergunta que não quer calar é a seguinte: quem vai ser assassinado da vez?

Gêmea boa, gêmea má, troca de identidades, briga pelo poder de uma empresa, assassinato - cadê a originalidade? Afinal de contas, qual é a justificativa para essa novela se chamar "Paraíso Tropical"? Mas Gilberto Braga sempre merece créditos. Portanto, vamos esperar para ver.

Eça de Queiroz ou Nelson Rodrigues?


"... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!"


Os versos acima são conhecidos do grande público desde que Arnaldo Antunes os declamou em meio aos acordes da música "Amor I Love You", de Marisa Monte, estrodondoso sucesso no ano 2000. Pouca gente sabe, no entanto, que as belas palavras foram extraídas de um romance do escritor português Eça de Queiroz, publicado em 1878. O Primo Basílio constitui uma análise da família burguesa urbana lisboeta no século XIX, mas é tão atual e contextualizado que sua temática pode ser aplicada a qualquer época ou local. Afinal, nada mais contemporâneo que a hipocrisia da sociedade.
A essência da história é a narrativa de um lar burguês aparentemente feliz e perfeito, mas com bases falsas e igualmente podres. Jorge, bem sucedido engenheiro, funcionário público. Luísa, moça romântica e sonhadora. Casados e felizes, falta apenas a dádiva de um filho para completar a alegria do lar do engenheiro. Mas a felicidade e a segurança de Luísa passam a ser ameaçadas quando Jorge tende a viajar a trabalho. Após a partida, Luísa fica enfadada sem ter o que fazer, no marasmo e em uma melancolia pela ausência do marido. Exatamente nesse meio-tempo, Basílio chega do exterior. Conquistador e "bon vivant", o primo não leva muito tempo para reconquistar o amor de Luísa, com a qual havia namorado antes de Jorge. A ardente paixão faz com que Luísa pratique o adultério. Os encontros entre os dois se sucede à troca de cartas de amor, uma das quais é interceptada por Juliana - a empregada amarga e revoltada de Luísa -, que começa a chantagear a patroa, exigindo-lhe que obedeça suas ordens para nãos er desmascarada.

As personagens de O Primo Basílio podem ser consideradas o protótipo da futilidade, da ociosidade daquela sociedade. A criação dessas personagens denuncia e acentua o compromisso do romance com o seu tempo: a obra deve funcionar como arma de combate social. A burguesia - principal consumidora dos romances naquela época - deveria se ver no romance e nele encontrar seus defeitos analisados objetivamente, para, assim, poder alterar seu comportamento.

Lisboa é o cenário da crítica de Eça de Queiroz. Assim também ocorreu em 1988, quase cem anos após a publicação da obra, na minissérie brasileira produzida pela Rede Globo, escrita por Gilberto Braga e Leonor Bassères, com fidelidade ao livro. Quase vinte anos depois, Daniel Filho, o mesmo diretor da obra televisiva, resolveu levar a história para o cinema, só que, desta vez, mudando o cenário e a época da trama, sem perder sua essência. Em vez de Lisboa, a São Paulo dos anos 50. Jorge continua sendo engenheiro, funcionário público, e viaja para construir Brasília, a nova capital do país, uma razão nobre para se ausentar. Luísa continua sendo a mulher casada massacrada pela tradição, pela sociedade machista, sufocada pelo desejo reprimido. E vem Basílio, o primo, um dândi, boêmio, típico também da época, da cidade. Adultério, hipocrisia, inveja, intrigas no ambiente familiar. Mais Nelson Rodrigues impossível.


Com Fábio Assunção (Basílio), Debora Falabella (Luísa), Reynaldo Gianechinni (Jorge) e Glória Pires (Juliana) no elenco, o filme Primo Basílio poderá ser visto a partir do dia 3 de agosto nos principais cinemas do país. A adaptação do roteiro, não por acaso, foi feita pelo escritor Euclydes Marinho, o mesmo que, juntamente com Daniel Filho, foi responsável pela adaptação dos contos de Nelson Rodrigues para a tevê no especial A vida como ela é. Vale a pena conferir mais essa demonstração do amor pelo buraco da fechadura...